Reinhold Stephanes - Secretário de Administração do Paraná


A chamada 'uberização' do trabalho e o aumento da informalidade vai exigir dos brasileiros uma mudança cultural, com uma conscientização sobre a importância de planejar a aposentadoria. A avaliação é do secretário de Estado da Administração e Previdência, Reinhold Stephanes, para quem o Brasil terá que voltar a discutir uma nova reforma da previdência em cinco ou sete anos, já que a atual foi feita com vinte anos de atraso.

Com 50 anos de vida pública, Stephanes – que foi ministro de três governos (FHC, Lula e Dilma) – explica que depois de aprovação da reforma da previdência estadual, o próximo passo do governo Ratinho Júnior é propor um projeto para criar incentivos para que os servidores públicos em geral, e policiais militares e professores em especial adiem suas aposentadorias e permaneçam em atividade. Essa medida, segundo ele, vai garantir ao Estado uma economia de R$ 8 bilhões em dez anos com a redução de contratações.

Em entrevista ao Bem Paraná, o secretário explica ainda como a bandeira da inovação defendida pelo governo Ratinho Jr vai impactar o dia a dia da administração e a vida dos paranaenses nos próximos anos.

Bem Paraná - Uma das bandeiras do governo Ratinho Júnior é a inovação. Como isso se aplica na área administrativa do Estado?

Reinhold Stephanes – Acho que o Estado vem tratando disso há alguns anos e a gente conseguiu acelerar bem isso, que são sistemas digitais que nos ajudam na gestão. Temos vários sistemas que podem ser considerados referência nacional. Uma das grandes inovações que a gente fez este ano foi o sistema de manutenção de veículos. Metade dos veículos estavam inoperantes, com problemas de conserto. O sistema era caótico. E tudo isso gerou demandas judicais e até CPI na Assembleia. Nesse momento o sistema funciona muito bem. 90% da nossa frota é operacional, um índice que é perto daquilo que a iniciativa privada opera. O preço médio e controles adequados. O sistema de informações para gerenciamento de frota ótimo. Implantou-se um sistema de táxi que vai diminuir o custo de transporte de servidores em quase 50%. E vamos retirar de uso 2 mil veículos. Aperfeiçoou-se também o sistema de controle de viagens, que também é hoje referência nacional. O sistema de compras se digitalizou. Nós tínhamos digitalizado até 10%, agora temos 100%. Deu-se uma grande eficiência ao sistema de registro de empresas através da Junta Comercial. Hoje nós conseguimos em 24 horas atender 90% da demanda. Isso estava em cinco dias antes. E também está sendo integralmente digitalização. A digitalização antes era praticamente nenhuma. E entre esse e o próximo ano nós vamos ter tudo isso de forma digitalizada, eletrônica.

BP - E como essas inovações podem chegar até o cidadão que busca algum serviço público?

Stephanes – O que tem que entender é que a atividade da Secretaria da Administração é uma atividade meio, de suporte. O que vai chegar na ponta é a saúde, educação, o bombeiro, a prestação do serviço. Então, por exemplo, se eu consigo tornar 90% a frota operacional, o bombeiro tem a frota à sua disposição, assim como a saúde, a segurança. O que nós tínhamos antes: no caso do bombeiro ele tinha dificuldade, às vezes, de atender porque não tinha a frota operacional. Você tinha policiais que ficavam aquartelados porque você não tinha veículo para ser utilizado. Compra de medicamentos. Nós compramos R$ 1 bilhão de medicamentos. Se nós formos eficientes na compra, mas rápido você tem o suprimento dos medicamentos. Pessoal, concurso, quanto mais eficientes e rápidos nós formos em realizar os concursos – e nesse momento estão em discussão alguns concursos extremamente importantes: meio ambiente, técnicos em fiscalização sanitária. Se nós nos tornamos um Estado livre de aftosa, sem vacinação e nós precisamos suprir todo o sistema de vigilância, quanto mais rápido pudermos suprir o pessoal de forma adequada, mais você vai ter o resultado lá na frente.

VEÍCULOS OFICIAIS

'Temos 90% da frota operacional hoje'

Bem Paraná - Após os problemas envolvendo a JMK, o governo rescindiu o contrato anterior, e fez um contrato temporário para a manutenção da frota. Recentemente lançou licitação para um novo contrato, que acabou suspensa após recomendação do TCE. Em que pé está esse processo?

Reinhold Stephanes – Nós temos uma parte que está judicializada, uma parte criminal que a polícia trata. E nós temos a questão que era de licitação. Encontrar uma empresa e aperfeiçoar o sistema que existia. O sistema como ideia era bom, só que ele tinha uma série de erros, uma série de necessidades que precisavam ser corrigidas. Isso deu centenas de horas de trabalho de profissionais no sentido de fazer como esse sistema fosse um sistema bom. Você tinha problemas em todos os níveis. O departamento aqui não funcionava de forma adequada. O gestor na ponta na área da saúde, segurança também não funcionava de forma adequada. Os pagamentos também não eram feitos de forma adequada, nem pelo Estado, e muito menos pela empresa com seus fornecedores. Um sistema desses só funciona como uma linha de produção se todos funcionarem dentro do sistema. E isso se provou tanto que antes você tinha metade da frota parada e hoje tem 90% da frota operacional. E a média de dias que fica na oficina hoje é um terço do que era antes.

BP - Como funciona o novo modelo proposto? Que tipo de mudanças em relação ao anterior e com que objetivos?

Stephanes – Ele introduz a auditoria. Isso é fundamental. Introduz a obrigatoriedade do pagamento que nós fazemos para a empresa gerenciadora para as oficinas em 48 horas. Ela produz todos os relatórios gerenciais que você pode imaginar no sentido de você poder interferir na frota. Hoje eu tenho um prontuário eletrônico de cada veículo melhor do que eu tenho das pessoas na área de saúde. E fundamentalmente também, como você tem o controle do andamento ao longo de todo o sistema, você também pode programar os pagamentos nas horas certas. Você não tem mais 'o Estado está devendo um mês'.

BP - O relatório final da CPI da Assembleia que analisou o caso JMK recomendou o governo adote um “fundo rotativo” específico para pequenos reparos nos veículos, sem ultrapassar o valor máximo para dispensa de licitação. O que o senhor acha da ideia?.

Stephanes – Isso se tornou desnecessário. Precisando de um pequeno ou grande conserto você tem as oficinas credenciadas, o gestor lá na ponta você tem um sistema automático que diz quais oficinas que têm que se apresentar. Qual a concorrência de preço que se faz, qual o teto do preço. Tudo isso é previsto automaticamente, a escolha, você faz a ordem de serviço, manda o carro, dali para frente o sistema controla. Você tem rapidez no atendimento. No máximo em 11 dias você tem o carro de volta. A não ser que seja algo muito especial. Então não há necessidade de nenhum fundo rotativo.

GESTÃO

'Modelo de licitação está burocratizado'

Bem Paraná - O governo também lançou uma licitação para gerenciamento do abastecimento da frota oficial, que igualmente foi contestado. Como está o andamento desse processo?

Reinhold Stephanes – O andamento está normal. O que está acontecendo é que primeiro você tem uma burocracia muito grande em termos de licitação. Você dificilmente coloca uma licitação em pé em menos de seis ou oito meses. Agora, os concorrentes também aprenderam a recorrer. Eles recorrem ao Tribunal de Contas, e às vezes recorrem a várias instâncias do TC. Chegamos casos de ter três conselheiros tratando do mesmo assunto. Eles recorrem à Justiça, à Controladoria Geral do Estado e ao Ministério Público. Então é uma verdadeira guerra que se estabelece em algumas licitações. O gerenciamento das licitações no sentido de evitar isso tem que ser muito forte e muito jurídica.

BP – O senhor acha que esse modelo de licitação está vencido?

Stephanes – Ele está burocratizado, muito legalista e não traz nem a eficiência e na minha visão, nem coíbe as eventuais fraudes que possam acontecer. Aqui eu garanto que você não vai encontrar nenhuma fraude. O sistema que a gente montou, e aí vai um pouco a minha experiência. Eu talvez seja uma das raras pessoas que ao longo ano de 50 anos de vida pública não tenha um erro cometido que tenha gerado algum problema. Sou muito cuidadoso na chamada matriz de risco. Nessa área jurídica, meu diretor-geral vem da Procuradoria Geral do Estado. O que senta na outra sala tem mestrado de Direito. Porque você tem verdadeiras batalhas jurídicas permanentes. Por outro lado é claro que eu tenho que olhar os órgãos que executam.

BP – O senhor acha que esse modelo tem que ser modernizado?

Stephanes – Totalmente. Aliás, já escrevi muito sobre isso. Já fui professor dessa área. Eu acho que isso tem que ser simplificado, e bastante.

BP - Houve recentemente um leilão de venda de imóveis do Estado que arrecadou mais de R$ 5 milhões. Outro edital está previsto para 2020. Como está isso?

Stephanes – O Estado tem 6 mil propriedades registradas. Hoje ele tem um cadastro das propriedades que ele efetivamente tem. Mas ele tem uma grande deficiência que é a regularização dessas propriedades. Nós temos, por exemplo, duas mil escolas. Dessas, regularizadas documentalmente têm apenas 50. E a pergunta é como regularizar com a nossa estrutura, duas mil escolas. Cada escola tem uma história. O terreno um dia foi doado a 40, 50 anos atrás, ou por uma família, ou pela prefeitura, União, enfim. Nós estamos montando um sistema, e acreditamos, é a nossa meta, em dois anos regularizar 1 mil escolas e em mais dois anos, outras 1 mil. Esse sistema já está ficando consistente. A partir de janeiro vamos ter reuniões com todos os gestores. E o sistema se foca basicamente no diretor da escola. Eles vão ter que assumir toda a operacionalização do sistema. Afinal de contas ele conhece a realidade, o prefeito, o cartório, alguma empresa que possa ajudar a fazer o levantamento topográfico. Os manuais de procedimento, os recursos financeiros que ele precisa, estimamos uma média que ele vai gastar de R$ 30 mil. Você começa a ver outros exemplos: Parque Castelo Branco, a Granja do Canguiri. A área toda são 700 alqueires. Abrange quatro municípios. E qual é a regularização dessa área? Nenhuma. Vou ter que contratar uma empresa especializada que vai ter que fazer todo o levantamento, toda a história jurídica entre os confrontantes todos, e isso é um trabalho para três anos. Três anos depois o que fazer com a área. Esse é outro estudo urbanístico. O Parque Castelo Branco que está totalmente abandonado. E assim, nós temos muitas áreas.

PREVIDÊNCIA

'Precisaremos de outra reforma em 5 ou 7 anos'

Bem Paraná - O Paraná se adiantou em relação à discussão da PEC Paralela no Congresso e aprovou a reforma da previdência estadual já em 2019. Qual o impacto dessa reforma para o Estado, principalmente em relação a investimentos, a partir de 2020?

Reinhold Stephanes – Nós vamos ter uma economia a partir de 2020, ela começa em R$ 300 milhões no primeiro ano, depois vai aumentando para R$ 400 milhões, R$ 500 bilhões. Vai ter possivelmente em dez anos R$ 6 bilhões. Agora o que o Estado está tentando além da reforma é criar incentivos de permanência tanto de servidores quanto de polícia militar, mais tempo em atividade. Por exemplo, já tem estudo feito que para a PM, através de incentivos, nós podemos economizar em dez anos R$ 3 bilhões. No servidor público a gente vai economizar R$ 5 bilhões em dez anos. Hoje já existe o abono de permanência. Nós vamos criar mecanismos um pouco melhores. Porque qual é o nosso problema. Eu tenho um teto de gasto com pessoal. Já atingimos esse teto. Cada vez que eu aposento um professor, eu tenho que contratar outro professor. Ao invés de pagar um eu, estou pagando dois. Eu tenho que criar um sistema no sentido de mantê-lo capacitado. No caso do professor é mais fácil. Ele pode dar aula mais 4, 5, dez anos, desde que ele tenha incentivo e queira. No caso dos policiais se fez uma análise da capacidade de campo. Esses estudos já existem, o governador já deu o ok. Possivelmente o projeto deve ser encaminhado em janeiro. Porque o grande problema que você tem é a precocidade da aposentadoria. Na polícia você já tem mais inativos que ativos.

BP - O senhor mesmo disse que o País terá que, em breve, discutir uma nova reforma. Em que prazo o senhor prevê que isso deve acontecer e porque?

Stephanes – Eu acho que de 5 a 7 anos você vai precisar de outra reforma. Pela questão demográfica e pela precocidade da aposentadoria. Algumas categorias se aposentam entre 62 e 67 anos em praticamente todo os países do mundo com previdência organizada já há vinte anos. Você não imagina que um professor dos Estados Unidos ou Europa se aposente antes dos 65. A gente está vinte anos atrasado. E o regime que se criou agora com 65 anos de idade (para homens) e 62 (para mulheres), embora ele já vem com muito atraso, ainda tem 12 anos de transição para aplicação final. E mesmo assim nós temos muitas exceções que se aposentam cinco anos antes. Então você tem a mais baixa média de idade de aposentadoria no mundo está no Brasil. Por outro lado, a mais alta alíquota de contribuição.

BP - Fala-se muito na “uberização” da economia. Hoje, além dos aplicativos de transporte, há apps de serviços domésticos, mecânico, passeador de cachorro, lavador de carro e até de consultas médicas. Isso significa teremos cada vez mais pessoas trabalhando informalmente, muitas delas não contribuindo para a previdência. Na sua avaliação, qual o impacto que isso terá na questão previdência na futuro e como enfrentar isso?

Stephanes – Primeiro você tem que criar uma consciência muito maior nas pessoas no sentido de que elas terão que tratar da sua previdência, do seu futuro. Aonde as pessoas, cada vez, terão que ser mais responsáveis pelo seu próprio futuro. Isso, evidentemente, só acontece com conscientização e melhor educação. E também é difícil você analisar essas questões com o País em crise. Se você olhar a crise brasileira, você não tem paralelo nos últimos 40, 50 anos no mundo um país teve uma queda tão grande em termos de seu produto como aconteceu no Brasil. A crise foi muito forte. Você vai chegar em 2020 com a mesma produtividade que 2010. Nós perdemos praticamente uma década. Aí tudo fica difícil. O emprego, 12 milhões de pessoas desempregadas pressionando. Ela vai procurar uma forma de sobreviver. Agora se o País voltar a crescer 3%, 4%, isso começa a entrar em outra dinâmica, outra forma de agir, e de pensar.

BP – Como o senhor vê o futuro do trabalho nesse contexto mundial de quarta revolução industrial?

Stephanes – O mundo sempre se adaptou às novas situações. No final, as coisas são dinâmicas e as soluções vão surgindo. Ele vai ter que se adaptar um novo patamar. Já tem país com taxa negativa de crescimento. A economia é como se fosse um corpo. Ele vai se adaptando. Algumas profissões vão desaparecer, outras vão aparecer. Possivelmente o tempo de trabalho vai diminuir. A área de lazer vai ser uma indústria cada vez mais forte. Serviços. Os idosos, vão se criar uma série de serviços. Acho que essas coisas se ajustam.

Para ler a notícia na fonte original:
https://www.bemparana.com.br/noticia/uberizacao-do-trabalho-exige-mudanca-de-cultura-diz-stephanes?fbclid=IwAR2MM7bL-V1IkaQtoDN-wlaFsIFANWZpDCV7bo0ZyZzMEVDmv54zuYa5-Cs#.XhiOF0dKjIV